quinta-feira, 27 de dezembro de 2007
vigílias em todas as paróquias da região de Brodowski (SP) marcam o sétimo dia do formidável roubo de duas renomadas obras de arte do museu de arte de São Paulo, o masp. trata-se de um Pablo Picasso, o retrato de suzanne bloch (1904), e um Cândido Portinari, o lavrador de café (1939). as obras foram subtraídas do acervo com a ajuda de um pé-de-cabra e do risível esquema de segurança do museu que, alega-se, visava proteger com eficiência um patrimônio cujo valor de troca pode chegar a bilhões de reais.
abalada pela crise, a diretoria do museu se prontificou a dar respostas eficientes ao problema da insegurança: propôs o fechamento do vão livre do masp. sem dúvida, destruir o patrimônio histórico tombado para aumentar a sensação de segurança dos curadores, e não a segurança propriamente, parece uma proposta razoável. a argumentação do tesoureiro do museu não poderia ser mais esclarecedora: "todos os parques têm grades".
inconformadas, beatas do interior paulista revezam-se em rosários pelo encontro das obras perdidas. enquanto não se desenrola o dramático imbróglio do roubo dos quadros, fiamo-nos nas orações das beatas de Brodowski e de todas as paróquias do Brasil que andam a destrinchar suas ave-marias pela solução do caso.
agora, sem apelar ao emocional, cabe fazer uma fria análise do patrimônio covardemente subtraído ao acervo cultural do país na madrugada daquela quinta-feira, 20. o retrato de suzanne bloch é evidentemente um representante ímpar da fase azul de Picasso, orçado nos seus 50 milhões de dólares, uma obra que qualquer museu gostaria de ter em acervo, e todos os demais clichés. este narrador muito se compadece do seu desaparecimento, dado o valor histórico-artístico-cultural da tela; entretanto, compadece-se ainda um pouco mais do paladar duvidoso do colecionador que teria encomendado seu furto - vide as feições da distinta dama retratada.
segunda-feira, 24 de dezembro de 2007
cristãos, celebrai. que vossas vidas sejam preenchidas pelas glórias e graças mais altivas.
de minha parte, desejo-vos tudo o que o espírito natalino contemporâneo pressupõe: sorrisos mais brancos, familiares felizes, uma ceia farta, presentes vários, para todos os parentes e correlatos, luzes dentro e fora de seus corações, abraços sinceros. e se possível, menos orações chatas e mais sobremesas gostosas. celebrai, irmãos. é o próprio Filho do Altíssimo quem vos ergue a taça, e aquele que não se embriagar não será digno do Reino dos Céus.
domingo, 23 de dezembro de 2007
sexta-feira, 21 de dezembro de 2007
Na sua organização geral, o espaço-tempo construído pelas imagens e sons estará obedecendo a leis que regulam modalidades narrativas que podem ser encontradas no cinema ou na literatura. A seleção e disposição dos fatos, o conjunto de procedimentos usados para unir uma situação a outra, as elipses, a manipulação das fontes de informação, todas estas são tarefas comuns ao escritor e ao cineasta. Apontei a equivalência entre paralelismo na montagem e o “enquanto isto...” da leitura. Posso apontar equivalências também em relação ao procedimento considerado chave na gênese da arte cinematográfica. A mudança do ponto de vista de uma mesma cena, importante ruptura frente ao espaço teatral pode ser aproximada a procedimentos freqüentemente usados pelo escritor ao compor literariamente uma cena qualquer. Também este expõe os fatos através de um conjunto de detalhes particulares ou através de observações que dizem respeito ao conjunto, tal como na representação do cinema. Esta aproximação, evidentemente, não pode ir além desta indicação de uma semelhança de estrutura. Em ambos os casos, trata-se da representação dos fatos construída através de um processo de decomposição e de síntese dos seus elementos componentes. Em ambos afirma-se a presença da seleção do narrador, que estabelece suas escolhas de acordo com determinados critérios. O fato de um ser realizado através da mobilização de material lingüístico e de outro ser concretizado em um tipo específico de imagem introduz todas as diferenças que separam a literatura do cinema. Diferenças que, em geral, são associadas ao suposto contraste entre o “realismo” da imagem e a flagrante convencionalidade da palavra escrita. O que tal comparação esconde é a natureza particular das convenções que presidem um determinado método de montagem, pois a hipótese “realista” implica na admissão de que há um modo normal, ou natural, de se combinar as imagens (justamente aquele apto a não destruir a “impressão de realidade”).
quinta-feira, 20 de dezembro de 2007
COUTINHO, Eduardo. Jogo de cena, Brasil, 2007, 104 min.
Filme, pra mim, de difícil classificação. Aspectos de documentário, como os depoimentos reais de pessoas desconhecidas que atenderam ao anúncio do cineasta; aspectos de ficção, como as re-interpretações dos testemunhos por atrizes. O filme transita permanentemente entre o real e o fictício gerando impactos afetivos distintos. Quando aparece um rosto famoso contando a mesma história do rosto desconhecido provoca-se uma sensação de segurança por termos, supostamente, elementos suficientes para distinguir o que era verdade do que era mentira. Já nos momentos em que nos era apresentado um único depoimento sem contrastar com outra versão para o mesmo, criava-se uma tensão angustiante. Parece um tipo de canalhice não apresentar claramente ao espectador se estamos assistindo a um duplo do mundo real ou apenas a uma criação artística. No entanto, se reconhecermos que, em verdade, essa distinção é meramente ideológica, convencionalmente estabelecida, mergulhamos num mar de incertezas provocador, mas talvez mais honesto do que esse maniqueísmo simplista. Esse jogo que se estabelece poderia ter ido mais longe. Nos momentos em que o diretor/entrevistador se dirige às atrizes tratando-as pelos seus conhecidos nomes para extrair impressões sobre suas atuações, adentramos em terreno seguro. Seria bastante pertinente e perturbador apresentar indícios de que mesmo esses diálogos “francos” entre atrizes e diretor poderiam não ser autênticos.
segunda-feira, 17 de dezembro de 2007
domingo, 16 de dezembro de 2007
sexta-feira, 14 de dezembro de 2007
outros relatos tão insólitos dão conta que o rei, insatisfeito com o andamento das obras de uma ponte, labutou uma tarde inteira dando cabo sozinho de um trecho entre duas vigas onde haviam se arrastado os operários durante toda uma semana. os operários veriam o último pôr-do-sol naquela tarde, como mostra do que passaria aos indolentes que refreassem pela omissão o avanço do império.
ainda uma outra feita, tendo o pânico se disseminado no harém do palácio, entrou o rei a enfrentar, a mãos nuas, uma terrível serpente negra, cujo veneno mata instantaneamente, que havia adentrado o recanto das virgens. este último prodígio o fez a pedido de sua esposa, aquela mesma que segundo os relatos mancharia sua honra e que por isso seria executada, restando do amor do monarca um terrível carcinoma em seu ardente e passional coração mesopotâmico – que minaria sua confiança em todas as outras mulheres.
estes relatos maravilhosos escaparam ao alcance das Mil e Uma Noites, mas ajudariam a compor este personagem que, ferido pelo desamor, prendeu-se à roda do ressentimento, recasando-se inúmeras vezes com outras virgens apenas para assassiná-las na manhã seguinte, com lágrimas nos olhos, por ter sido traído pela mulher que honrava.
aunque o rei manifestasse notável agrado em abrir as artérias dos seus desafetos, é difícil considerar que o assassinato das esposas lhe gerasse alguma satisfação, pois que longe de o desagradarem colhiam, ainda que por pouco tempo, migalhas do seu carinho real, tendo a infeliz sorte de serem inocentes vítimas da sua desventura - e isto depois de desdobrarem-se em carícias para sarar os sentimentos do amado; tais crimes apenas replantavam a angústia em seu peito, angústia da qual não sabia se desvencilhar. a insatisfação do rei frente à perda da amada seria aplacada apenas pela veludosa voz de Sherazade, aquela que a muito custo lhe foi dada em núpcias para contar-lhe, noite após noite, histórias fantásticas que se desdobravam nas mãos de personagens que contavam novas histórias sobre outros personagens.... e assim em uma sucessão infinitesimal de contos fantásticos que aparte de suas narrativas evidenciavam ao rei uma nova paixão; ao que dissolveu-se enfim a mancha em seu peito, novamente aberto ao sabor da vida.
reuniu-se neste momento a ternura incondicional da esposa ao renascimento do amor do rei, e aos mil e um dias de glórias e fulgores de Sharyar seguiram-se gloriosamente estas mil e uma noites de venturas de Sherazade, compondo este conjunto o yin-yang sagrado do meio oriente, onde os elementos masculino e feminino encontraram um no outro aquilo que em si mesmos haviam perdido.
em São Paulo, o governo estadual promoveu mutirão de conscientização contra o uso das famigeradas sacolas de plástico no comércio, aquelas das quais ninguém quer abrir mão pela praticidade, e que seguirão sorrindo para as próximas gerações nos 300 anos que levam, em média, para se decompor. nesse meio tempo, vão entupindo bueiros, provocando enchentes e reduzindo a vida útil dos aterros sanitários.
obviamente, a gravidade do problema exige soluções rápidas, não sem um pouco de dor de dente ao acomodado consumidor, que num breve futuro deverá levar de casa sua sacola de compras para o supermercado, ou no mínimo pagar pelos sacos plásticos que porventura vier a utilizar, como mecanismo de desestímulo.
por todo o mundo, é notável como a preocupação ambiental se funde com peculiaridades culturais. na Índia, por exemplo, algumas regiões proibiram a produção e comercialização de sacos plásticos para evitar que as sagradas vacas as ingerissem e engasgassem com as benditas – óbitos já foram registrados. no ocidente, entretanto, as motivações parecem ser bem distintas, especialmente nesses tempos de terrorismo, narcotráfico, eixo do mal e caveirão. o desestímulo do uso dos sacos plásticos se mostra como alternativa sustentável não apenas ao meio ambiente como também à segurança pública, que com a redução do uso comercial folga de contar com uma maior oferta destes práticos e eficientes instrumentos de interrogatório.
quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
A voz, mesmo rouca, se sobrepõe aos ruídos e domina a cena pela sincronia e coerência dos movimentos corporais com o tom das palavras. O jeito da beata contido pela culpa cristã contrasta com a eloqüência verborrágica da pregação. Esses dois momentos se opõem pela maneira distinta de lidar com um impulso primal: o medo. Ora o medo é contido, enjaulado dentro do recato das boas maneiras, ora entra em intensa combustão e incendeia o comportamento, ejacula. Parece que o missionarismo, a salvação das almas alheias, alivia o furor interior da culpa. Alivia ou desvia momentaneamente a atenção. Os olhos quase permanentemente fechados indicam que mesmo os berros e apelos aos pecadores são muito mais uma reação a um embate interno do que um diálogo estabelecido com o mundo externo. Os pecadores não têm uma existência complexa a ser desvendada, contemplada, eles têm apenas o vício a ser extirpado, elas são o vício a ser extirpado. O poder da palavra não é o alcance da voz. O poder da palavra é a força da presença. E essa presença que explode energicamente altera tudo. O grito de um histérico habitual é distinto do grito de um recluso. Só o segundo cala a multidão. E a multidão mobilizada pela ruptura do momento é guiada pela voz rouca de quem seqüestrou violentamente os corações desesperançados. Sim, há finalmente uma salvação... enquanto se convencer disso o salvador.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
algo que já existiu... ou não?
algo incerto.
um frio na espinha. uma premonição antiga. uma intuição. o cheiro de um perfume cujo nome nunca existiu. um olhar paradoxal: penetrante, ao mesmo tempo que fugaz. buscas nas fotos minha imagem, e não a vês; quando a vês, ainda assim não distingue seus traços. quem é esta pessoa? quem é você, afinal? buscas em vídeos, em cartas, em objetos, nas memórias de outras pessoas. elas concordam: existe algo. alguém. quem? onde está?
me confundem com a brisa fria das madrugadas. com os passos furtivos em ruas escuras. com todas as imagens periféricas indefinidas, interpretadas pela mente simplesmente como aquilo que ela quer ver. o pensamento busca aquilo que não pode compreender. os sustos provocados por essas sensações ambíguas, por essas impressões incompletas, esse intervalo mais longo entre a inspiração e a expiração!; ah, tua própria sombra te engana.
Entre um bolinho de arroz e uma rabada com agrião, descobri que minha angústia existencial era tão simples quanto uma farofa de ovos. Até então, meus olhos corrompidos pela fome, pareciam calibrados para só perceber a dor como figura, pulando de uma desgraça para outra, todo resto sendo fundo difuso e não identificável. Não tive a fome dos miseráveis, dos despossuídos; tive a fome medíocre dos alienados de seus estômagos. Quer dizer, pra onde olhasse, via tristeza, via desgosto, via arrependimento. Era como se toda a realidade concreta e abstrata ganhasse a disformidade dos reflexos no fundo de um prato vazio. Esse mal estar mobilizava toda minha atenção. Só conseguia pensar em investigar minhas emoções, meus comportamentos querendo entender o que estava errado para corrigí-lo. Essa alienação de mim mesmo, ou seja, o inacreditável desconhecimento das ligações entre meu humor e meu estômago me mergulhou em elocubrações infindáveis sobre uma infelicidade que me parecia cada vez mais complexa e perigosamente sedutora. Me enredei como um peixe que, desesperado, se debate à exaustão entre as malhas. Acabei, de alguma maneira, achando um caminho frágil e trôpego. Só bem mais tarde é que fui entender que tudo se resumia a um bom prato de comida em horários razoavelmente regulares três ou quatro vezes ao dia. De vez em quando, ainda ouço tenebrosos sussurros de angústia, mas, antes de qualquer coisa, sirvo-me um belo prato de comida pra, só depois da sobremesa, dar ouvidos aos demônios que porventura não foram exorcizados pela dica do chef.
sexta-feira, 7 de dezembro de 2007
- Saudações.
- Que dizes?
- Definho.
- Definhas?
- Sim. Carrego um mal.
- Não te preocupes. O mal em boa hora passará. É a vida?
- Como sabes?
- O diálogo é sintoma da vida. Com quem pensas que conversas?
- Ora, contigo.
- Qual a fonte de teu pensamento se não os têm?
- Que dizes! Parece insano.
- É todo o contrário, vale dizer. Estou curado...
- De quê?
- Da vida.
- Como?!
- Sou um planeta morto.
- Oh! Que restou, então, de ti?
- o movimento inercial. A suave mudança de órbita. A infinita caminhada rumo aos limites do universo em expansão.
- E a beleza da vida?
- Estás doente. Deliras. Acalme tua agitada alma que a vida se esvairá. Teus segundos se multiplicam em eras fruto de tua simpatia com a provisoriedade angustiante da vida. Olhe. Siga-nos. Dance conosco. – e, numa vistosa elipse, aprumando seus eixos, rodopiaram alegremente os planetas.
E o general gritou orgulhoso às suas tropas: “Homens! Vocês são homens! É aqui nesse campo de batalha diante dos olhos de Deus em que colocamos nossas armas às ordens do Senhor. E Ele sussurrou ao meu ouvido: ‘Não quero ver nenhum civil respirando. Quero um sacrifício à altura da minha generosidade para com teu povo.’ E que assim seja, senhores! Se acaso sentirem fraquejar seus braços diante de um desses moribundos, afastem esse demônio da covardia a golpes de machado. Demônio e inimigo abraçados sendo mandados para as pútridas lamas efervescentes do inferno. Amanhã quero sentir o agridoce cheiro de carne queimada se decompondo: pra mim, esse é o cheiro da vitória, é o bálsamo do sucesso.” Assim, motivados por essas eloqüentes palavras, marcharam os orgulhosos guerreiros com suas armas em punho com firme propósito de serem instrumentos de Deus. E o foram. Cumpriram zelosos seu dever. Poucas vezes ao Senhor foi ofertado tão autêntico genocídio. Nem os animais domésticos foram poupados. As ruas tomadas de corredeiras vivas de sangue. Os soldados estavam no fim das forças, mas, revigorados pelo sentimento de justiça e fé, atenderam à última ordem do general: expor sobre um altar improvisado as cabeças daqueles pobres miseráveis para que Deus os possa reconhecer acaso tentem, desencarnados, penetrar traiçoeiramente nos sagrados domínios dos puros.
quinta-feira, 6 de dezembro de 2007
terça-feira, 4 de dezembro de 2007
quinta-feira, 29 de novembro de 2007
Gente, acima de tudo, querendo ou não, a gente tem que falar de gente, seres humanos. Somos todos especiais, cada um tem alguma coisa única pra contribuir pra uma sociedade melhor. Basta saber lapidar esse diamante bruto dentro de cada um de nós. Você quer ser parte do problema ou da solução? Pense nisso. Quem nunca errou que atire a primeira pedra... ou é “pecou”? Enfim, o que importa é a gente sempre ter cuidado pra não julgar o outro porque toda vez que tem um dedo apontando pro outro, têm três outros apontando pra você. É feio julgar. Feio, feio, feio. Trate os outros como quer ser tratado, não é mesmo? Ouvir sempre mais do que falar. Ah, a assertividade. Essa dádiva! Procuremos sempre sermos assertivos. Sem agressividade, sabendo expor nossas idéias com firmeza, com clareza sem machucar o outro. É isso que importa. Acima de tudo ser feliz. Devemos olhar pra frente. O passado já foi. Viver o presente é o que vale. O futuro a Deus pertence. Não sei nem se estarei aqui amanhã. Viver cada instante como se fosse o último. Carpe diem. Valorizar quem está do seu lado nas horas difíceis: esses são os verdadeiros amigos. Sobretudo, eu odeio a falsidade. Não acho que alguém possa conquistar alguma coisa nessa vida passando por cima dos outros, mentindo, sendo falso. Eu, pessoalmente, sou muito verdadeiro. Gosto de rir, de conversar com os amigos. Essas pessoas que só ficam falando mal dos outros me enojam. Não gosto. Acho que eu tenho que cuidar da minha vida, sabe? Ser feliz. Agradecer todo dia. Só peço saúde. O resto eu corro atrás. É isso o que eu tenho a dizer. Espero que todos tenham gostado. Desculpa se magoei alguém, não era essa minha intenção. Agradeço a atenção de todos. Boa noite. Vocês foram ótimos. Até amanhã nessa mesma bat-hora, nesse mesmo bat-canal. Huahuahua! ;)
terça-feira, 27 de novembro de 2007
"(...) devemos começar distinguindo as condições que uma proposição deve satisfazer para que possamos considerá-la como sendo sobre um objeto físico no mundo externo. Há duas condições relevantes a serem aqui satisfeitas:
(i) a determinação do que seja o objeto físico em bases conceituais,
(ii) a atribuição de existência ao objeto físico conceitualmente determinado.
(...) O que tenho em mente ao dizer
1. "Há uma garça no meu quintal"
pode ser fenomenalmente traduzido, de maneira que satisfaça as condições (i) e (ii), como:
2. Está sendo dada uma garantida possibilidade de que um percipiente qualquer, em certas circunstâncias (que envolvem a descrição do meu quintal, a especificação do momento do proferimento, etc.), tenha a experiência visual de partes de um multicomplexo de sensações do tipo garça em partes do multicomplexo de sensações do tipo meu quintal."
COSTA, Cláudio. Uma Introdução Contemporânea à Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2002. (pp. 148-149)
Logo, a minha morte poderia ser descrita em termos fenomenológicos como o fim da garantia de experienciabilidade a um percipiente qualquer de um multicomplexo de sensações do tipo eu.
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
Senti uma dor no peito, hoje. Dor que provavelmente desejei muito. Há tempos questionava minha capacidade de me apaixonar. Me julgava um homeme frio, deficiente emocionalmente. Pronto, aí está a prova de que estou vivo: chorei por amor, aliás, chorei pela falta dele. Quando veio o impacto das palavras caladas e dos toques calculados, fiquei perplexo, sem reação, silencioso. Cheguei em casa pressentindo que uma tempestade se formava dentro de mim. Ainda assim dormi surpreendentemente bem, achei isso muito bom. Depois, acordei vazio. "E agora?". E agora, os primeiros sintomas de quem sofre por amor vieram. Olhei pra comida e nada me apeteceu, nem mesmo uma fruta. Tudo parecia excessivamente denso e pesado pra aquele momento. Logicamente, as pobres bananas e maçãs não tinham qualquer culpa. Eu é que estava com um sentimento inexplicavelmente verdadeiro. Dei bom-dia ao porteiro. Entrei no carro e escolhi cuidadosamente minha trilha sonora: 89,9 FM. Acho que era um bolero que tocava quando tive coragem de gritar. Gritei. Depois do grito, consegui respirar profundamente. Parecia que faziam séculos que não enchia meu pulmão com sua capacidade máxima, mas logo o ar escapou. Isso me entristeceu. É, isso mesmo. Como é que subitamente nos tornamos tão piegas? Antes de estacionar, ainda tive tempo de buzinar pra um maluco que manobrou imprudentemente. Mas o grande momento mesmo estava por vir. Entrei na minha sala de trabalho, repousei minha pasta sobre a mesa, olhei pro monitor do computador e me sentei. Primeiro vieram soluços, cada vez mais intensos e longos, depois o tremor dos lábios. A essa altura, meus olhos já estavam semi-cerrados e meu cenho decisivamente franzido. Gemi com cuidado pra não chamar atenção. Fui me entregando aos poucos, resistindo o quanto pude. Finalmente, me entreguei e, só então, vieram as lágrimas lavar meus olhos. Enquanto chorava, emitia alguns grunhidos que podem soar como um profundo lamento de auto-piedade, mas acho que era outra coisa. Talvez apenas fosse o desejo de desfrutar um pouco mais da catarse. Havia raiva. Raiva de mim por ter me deixado agredir, por não ter me defendido. Raiva dela por suas grosserias, pela inexistência de diálogo. "Uma pessoa pode escrever poesia tão linda, cartas de amor pra si mesmo tão autênticas a ponto de não precisar compartilhar seus sentimentos por meio de palavras?" "Não sei." "Vivi a fantasia de conhecer alguém." Logo, logo meus olhos pararam de lacrimejar. Não tive tempo de me olhar no espelho, mas suponho que meu rosto deve guardar marcas do choro, ao menos, é o pouco que posso deduzir do meu reflexo na tela do computador. Durante o dia que ainda está começando, devo transitar entre a auto-piedade e a alegre artificialidade. Em algum momento, voltará a quietude e a sensação de que o que eu vivi foi muito mais aquilo que registrei nessas palavras do que esse sofrimento pungente. Quando tiver perdido o rastro dessa dor.
quarta-feira, 21 de novembro de 2007
Ministério da Religião deve sair ainda essa semana
Na noite desta terça-feira, após intensas negociações com a base aliada, o Presidente fechou um acordo histórico: será criado o ministério extraordinário da religião que ficará a cargo do PRL. Ainda não foi definido oficialmente o nome do titular da pasta, mas as especulações apontam pra dois fortes candidatos: Josimar e Mário. Nenhum dos dois políticos tem ligação histórica com movimentos religiosos, ainda que sejam ambos batizados pela Igreja Católica. Tampouco são atualmente filiados ao PRL. No entanto, segundo o Presidente, nada disso seria empecilho para uma possível nomeação, já que o processo de mudança de partido é simples e indolor e a pouca familiaridade com o tema pode ser até positiva pela isenção em matérias polêmicas. “Veja bem, eu mesmo já fui coroinha sem ter freqüentado sequer uma aula de catequese. E, dizia o padre Donato, fui o melhor coroinha que ele já teve” confessou o chefe de Estado. Para as lideranças religiosas, a criação de um ministério é pouco, mas já é um importante passo em direção ao estabelecimento de uma ordem espiritual superior, de acordo com os desígnios do Criador. “O laicismo é uma perspectiva ultrapassada. Vejam o exemplo de sucesso do Irã. É uma potência regional!” disse o presidente da CNBB.
terça-feira, 20 de novembro de 2007
Eu não acredito na existência de Deus. Apenas atribuo esse nome ao conjunto imaginário e intangível de fenômenos simultâneos e passados necessários para me manter vivo.
Por gostar de exisitr e ter a permanente sensação de ser a mesma pessoa continuamente existindo, ainda que desconheça a inexistência, acho justo reconhecer o trabalho do universo pra me preservar vivo.
Agradeço por ter terminações nervosas para sentir a dor e a amargura, o doce e o prazer.
Agradeço pelo contraste das dualidades.
Agradeço pelas faculdades mentais que me permitem desenvolver a idéia da unicidade da vida universal.
Agradeço pelas artimanhas da mente que me permitem ter convicções essenciais ao meu bem-estar ainda que não se sustentem diante de uma refutação rigorosa.
Agradeço pela fantasia de achar que é bom o que sou e possuo, mesmo ignorando tudo que seja alheio a mim.
Amém.
segunda-feira, 19 de novembro de 2007
Presidente Bush, 3:23 am, 1 garrafa e meia de conhaque, Kelly's Irish Times Pub, 300 metros da Casa Branca
domingo, 18 de novembro de 2007
sábado, 17 de novembro de 2007
o tapa estalou no rosto dela, que caiu rindo na cama, o corpo lascivo completamente solto. ela ria e passava suavemente as costas da mão no rosto quente e avermelhado.
não tiro não.... mmmmm não tiro.... não tiro!!
vagabunda!. outro tapa. ela se sentia realizada. ele dessa vez não teve paciência. puxou-a por uma das pernas como se puxa um bezerro dando trabalho pra nascer. ai! de outro puxão, a calcinha arrebentou e foi jogada pra longe. vem cá sua vagabunda. piranha! ela se debatia enquanto ele a apertava nos dois braços macios, deixando marcas, mordendo seu pescoço e lambendo suas orelhas como um animal. me larga! me largaaaaaa! ela gritava, primeiro com raiva, depois com mais raiva, rangendo os dentes e franzindo as sobrancelhas, depois da primeira mordida um grito mais furioso, depois da quarta ou quinta já um gemido rouco, de fêmea no cio, ronronando, rosnando, suas mãos também apertando os braços dele, que a pressionava contra o colchão.
vai continuar resistindo, né?
vou.... ela apenas sussurrava, cínica, aquele mesmo sorriso autoconfiante no canto dos lábios. vou.... mmm
vai continuar resistindo??!
vou!! ela gritou e olhou nos olhos dele, fingindo ódio, fingindo desobediência, implorando por um castigo, me castiga, vai, me castiga seu filho da puta. então resiste, sua cachorra. resiste vagabunda! eu vou te comer assim mesmo. vai, reclama, sua piranhinha.... sua puta!, um tapa em cheio no rosto dela, briga sua putinha, briga vagabunda!, ele aperta as pernas dela, outro tapa sonoro, ela com o rosto vermelho, toda descabelada, ainda se debatendo, resiste agora, sua língua roçando os mamilos rígidos, sua boca chupando mais forte os seios arrepiados, briga agora, outro tapa, ela respira mais fundo, o coração acelerado, solta os braços dele e segura mais forte no colchão, uma das mãos apertando a lateral do colchão, a outra agarrando firme o lençol amarrotado, e agora hein sua vadia.... hein sua piranha.... gostosa.... seu ventre se contraindo, isso, gostosa.... tesuda.... ela se debatendo cada vez menos, um peixinho caído do aquário, últimas convulsões de fôlego, respirando fundo, e ele estica os braços dela acima da cabeça, prendendo seus punhos, se apoiando nela ao mesmo tempo em que a penetra, e quando a penetra totalmente o suspiro súbito, o gemido seco; as pernas da fêmea tremem, ela se contrai repentina, involuntariamente, para logo se abrir: molhada, louca, abraçando com as pernas, um rio entre suas pernas, ah, insana, possuída, presa, com força, fisgada, empalada, aah, atrapada pelo macho, ela se entrega, num sussurro:
não me deixa fugir....
não me deixa fugir....
não me deixa.... fugir....
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
Cheguei ao cume de uma elevação rochosa. Sua superfície era generosamente coberta por vegetação. Uma vegetação com a sinuosidade típica do cerrado, no entanto, sem a agressividade que dela se espera: os arbustos não eram espinhentos, o capim não era áspero, os pequis eram desprovidos de suas afiadas agulhas. A temperatura naquela noite era perfeita, quente o suficiente para que o corpo se sentisse acalentado. As estrelas só não eram mais visíveis por conta do intenso brilho da Lua. “Imagina quando ela estiver cheia”, pensei. Pois é, cheia, talvez fosse demais pra mim. Só, naquela noite de abundância e de parcimônia ao mesmo tempo, tudo parecia fazer sentido. Sentia meu corpo físico firme e aquecido pelo esforço da subida. Circulava uma energia viva por minhas veias. Não era a ausência de outros seres humanos que preenchia minha consciência, era a presença contagiante da vida a minha volta que dominava minha percepção. Sentei por alguns instantes para recuperar o ritmo sereno da minha respiração e, de olhos semi-cerrados, apenas segui com minha atenção seu suave movimento de desaceleração. A cada inspiração, os pulmões retinham um pouco mais o ar. A cada expiração, saboreava o doce prazer de estar vivo. Ergui os olhos e lá estava a barca deslizando pelos céus com suas velas estufadas. Foi só a partir desse momento que lembrei do resto da humanidade e, pra mim, a humanidade sempre foi aquele pacato vilarejo. Quando desviei meus olhos para as casinhas jogadas caoticamente no vale, surpreendi o movimento febril dos moradores para fora das residências. Todos se voltavam para aquele fenômeno celeste: a chegada da barca. Progressivamente, o ruído dos efusivos comentários era substituído pelo som do vento noroeste ecoando por onde passasse, como um imenso instrumento de sopro espontâneo. As vozes tinham se calado, mas interiormente, cada um celebrava uma cerimônia não-verbal de gratidão em seu templo interior. De dentro da barca, seus ocupantes iniciaram a parte mais esperada e misteriosa do ritual. Uma espécie de forma luminosa etérea era arremessada do convés formando cascatas douradas. A noite, agora, era dia. Um dia único em que a luz maior provinha de indescritíveis cachoeiras de luz. Naquele tempo, não havia religião. A magia da vida era palpável. O ritmo da vida era regido pelos abundantes milagres. O homem apenas fingia comandar o espetáculo, como uma criança que gesticula freneticamente com uma batuta invisível diante de uma orquestra sinfônica. Mas eram outros tempos. Tempos em que cascatas douradas caiam sobre os homens.
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
à época, um famoso retailer norte-americano promoveu sua aproveitadora campanha de marketing viral, disseminando a idéia de que a espingarda utilizada pelo escritor havia sido comprada em uma de suas lojas – belíssima honra. mas o capitalismo não nasceu póstumo, e amigos mais próximos estavam seguros de que aquela arma era muito mais antiga, mais especial. La Yegua, era como Hemingway a chamava, quase que carinhosamente. ela que havia o acompanhado a tantas sessões de tiro no clube de cazadores del cerro, naquela Cuba ainda pré-revolucionária. lá, naquele mesmo lugar onde ele negava-se a dizer adeus às armas, acertando sempre as palomitas que lançavam seus ajudantes.
é forçoso dizer que, também lá, os futuros revolucionários que levariam o país a mais uma independência forjavam sua pontaria, liderados por um jovem advogado, por nome Castro, ainda um ilustre desconhecido em sua própria pátria. durante os meses em que atirou visualizando os bustos de soldados mortos e o despertar de um novo país, era justamente com La Yegua que atirava, emprestada por um dos garotos que cuidavam das armas de Hemingway; ela também, por alguma razão, sua favorita. seus alvos nunca em pombas; estas defenderia que vivessem apenas para soltá-las num momento futuro, sendo surpreendido pelo retorno de um pássaro ao seu ombro; em sua tela mental, a comoção e esperança e efusão em meio aos populares.
naquela madrugada, quando chegaram os revolucionários ao quartel de Moncada, Fidel estava confiante. havia planejado cuidadosamente aquele momento. e tendo praticado na véspera, cuidadosamente trocou La Yegua por outra calibre 12 similar, conduzindo-a, sua companheira, a bailar sobre os defensores do regime. sangre e gritos e luta, muitos companheiros presos, mortos, torturados à morte, ameaçados pela sombra pegajosa da morte. ao final, ele não tinha dúvidas: fora ela quem o protegera em meio ao caos da operação. confidenciou a seu irmão Raul. e tratou de volvê-la, cerimonialmente, ao seu local de descanso, sem que ninguém se desse conta do câmbio. era aquele momento seu agradecimento e despedida. fora preso logo em seguida
Hemingway jamais saberia de Castro, que jamais saberia de Hemingway.
a preferida do escritor agora dormia e sonhava em seu berço. sentado no banco de trás do Ford, lendo sobre os recentes acontecimentos, o americano chegava ao clube e uma vez mais tocava nela. muitas pombas ainda seriam abatidas por seu soco certeiro. no entanto, naquele dia Hemingway errou mais que o habitual. as três pombas perdidas renderam 15 dólares aos garotos do clube – palavra é palavra –, que festejavam a generosidade do estrangeiro. e La Yegua parecia diferente. sensibilizada. o escritor percebeu essa sutileza, sentiu sua mensagem no vapor que ainda saia dos canos quentes. algo estranho, incomum, que ficara gravado em sua lembrança. algo que sequer as torturantes sessões de eletrochoque ao qual fora submetido anos depois puderam apagar. era nisso que pensava naquela tarde de verão, enquanto tocava seu cano duplo.
anos depois lá estava ele, náufrago às avessas, impossibilitado de regressar àquela ilha de amores, belezas, mistérios. eram semanas de ócio e indecisão. ser mantido cativo em sua terra natal. la bodeguita del medio não poderia estar em outro lugar que não Havana. o kir royale não tinha o mesmo sabor em Ketchum. a espingarda o fazia lembrar com nostalgia daqueles tempos. seu lugar não eram aquelas montanhas, aqueles choques insanos, a falta de sensibilidade à sua insatisfação. ele sabia, não havia dúvidas, que havia chegado o momento.
Hemingway estava diferente. sensibilizado. La Yegua, exilada como ele, percebia essa sutileza, sentia sua mensagem no toque delicado com que ele a afagava. ela o compreendia. e mais uma vez se entregou em suas mãos.
quinta-feira, 8 de novembro de 2007
teu perfume, Juliette, segue tão vivo como se com ele estivesses em carne e osso provando vestidos em frente ao espelho, me indagando sobre este ou aquele broche sendo que todos ficavam tão bem, e ver-te experimentando um a um me levava a explorar com mais atenção os teus olhos vivos e tua pele clara e teu sorriso de Monalisa que tomou carne sem prescindir do espírito. este perfume segue dançando, Juliette, pelos cômodos vazios de forma na ausência do teu andar gracioso e infantil, quando andavas de um lado ao outro com pós e batons esculpindo com tanto cuidado a superfície serena da tua face, esta face luminosa que segue no espelho, segue no espelho trançando os cabelos antes de dormir.
eras ainda mais bela, Juliette, quando eu te ouvia cantar passeando pelos jardins em manhãs despreocupadas de domingo, fazendo dar saltinhos de felicidade a pequena Clara, que já assinalava na face precoce toda a beleza que tão breve herdaria na puberdade. essa beleza que transbordava em gestos, em olhares carinhosos, em atos de devoção desmedida e entrega absoluta, em que o calor do teu corpo desarmava meu coração e me levitava sobre sonhos bucólicos.
terça-feira, 6 de novembro de 2007
satisfeitos eles vagueiam pelas vielas lamacentas do esquecimento, tropeçando em poças e tateando paredes frias que são tudo o que há de mais palatável aos seus sentidos. satisfeitos eles farejam todos os sons que seus ouvidos surdos são incapazes de perceber. satisfeitos ainda eles temem a luz que embranquece suas pupilas e rompe a harmonia soturna da escuridão onde mergulham. uma vez mais vos digo: não!; não choreis pelos cegos. pois aqueles que são incapazes de chorar por sua própria desgraça não merecem ter vertidas as lágrimas dos outros. e aqueles que acalentam e alimentam o próprio infortúnio não podem senão desmentir toda a luz que são incapazes de ver, e propagar a pestilência aos que se encontram sadios. acaso são estes os miseráveis pelos quais chorais? chorai antes com força e desespero apenas para afogá-los em agonia na enchente de vossos olhos! chorai antes de felicidade por vê-los e perceber suas cores opacas e seus passos trôpegos, e poder desviar-vos deles. pois eles estão satisfeitos, e o vosso pranto não os comove. antes vos gritam: “fechai os olhos, e parareis de chorar!” e seguem incautos pelas estradas da perdição.
recordai antes, e sempre, do dia em que éreis também cegos, e finalmente vos permitistes abrir os olhos para a realidade. daquele dia em que superastes vossa própria cegueira e satisfação.
quinta-feira, 1 de novembro de 2007
PLAYMOBIL
O texto pro blog. Não é uma necessidade de expressar uma inquietação intelectual, um sentimento pungente. Esse texto preenche a miserável missão de ocupar um ordinário espaço no mundo virtual. Ordinário! Comum. Sem brilho. Adjetivos atribuídos àquilo que não comove ninguém. Às manifestações que, de tão rotineiras, perdem um pouco da sua realidade. Nem lembramos se aconteceram de fato. São coisas que se tornam etéreas. O homem não projeta sua atenção sobre estas. Sua textura de realidade fica fina, quase transparente. Até que a coisa de tão esquecida perca até o nome. A partir daí, ela só aparecerá simbolicamente nos sonhos da humanidade. Eventualmente, alguém pode resgatar aquilo, atribuir-lhe de novo forma e significado, ainda que ninguém possa lembrar que aquilo tenha tido existência anterior. Se a linguagem não aprisiona a realidade em nomes - gaiolas herméticas e frias -, a comunicação, então, exige excesso de humanidade para um playmobil. “Nós, playmobils, encaixamos freneticamente nossos bloquinhos conceituais em duas dimensões, formando imensos monólitos de obviedade.” Trecho da Declaração Positiva dos Direitos dos Bonecos de Plástico. “Artigo Primeiro: todo ser pode abdicar de sua dimensão de ser. É-lhe garantido o direito inalienável de alienar-se de sua própria existência.” Um dia, algum desregrado que ainda esconde a habilidade de sonhar em alguma esquina de sua monótona cidade de concreto, outrora, sua consciência, chora compulsivamente de saudade de um desconhecido boneco que se inquietava com a vida.
terça-feira, 30 de outubro de 2007
sem querer fomentar as rivalidades alheias, ultimamente o Brasil anda melhor que a Argentina: enquanto vamos sediar - não sem choro e ranger de dentes - a copa do mundo de 2014, eles acabam de eleger Cristina Kirchner para a presidência da república.
cada povo com suas mazelas.
públicos e notórios nos dias de hoje são os subterfúgios criados pela imprensa brasileira para evidenciar os cortes que a navalha dos censores oficiais perpetrava nos veículos impressos. previsão do tempo, horóscopos, bonequinhas da Hello Kittie, ██████████████████████ recursos os mais singelos possíveis tinham por objetivo alertar os incautos quanto ao vandalismo informacional que privava os brasileiros de verdades e meias mentiras que poderiam afetar o regime militar.
afetar o regime era certamente o objetivo de um destes veículos, ao passar à publicação de receitas culinárias como resposta à censura. insuspeitas entre manchetes de █████████████████████████████████ engarrafamentos e aniversários de cidades e outros eventos que curiosamente reuniam milhares de cidadãos nas ruas, tais receitas seriam o recurso final para chamar a atenção dos leitores quanto à repressão que pairava sobre o país. se é duvidoso seu impacto quanto ao esclarecimento político do povo brasileiro, seu sucesso junto às donas-de-casa do país é incomensurável.
Arroz à Grega
· 3 xícaras de arroz
· 6 xícaras de água
· 1 caixa de passas
· Queijo parmesão ralado
· 5 colheres de ervilha
· Pimentão, cebola, salsa, cebolinha verde e cenoura
· Manteiga, óleo e sal
Leve uma panela ao fogo com água, sal e um pouco de óleo. Quando a água ferver, coloque o arroz lavado e escorrido. Mexa o suficiente, diminua o fogo e deixe a água secar. retire o arroz do fogo, tampe bem e deixe por mais algum tempo até ficar completamente pronto. À parte, leve uma caçarola ao fogo com a manteiga e aí frite as passas e as ervilhas. Jogue, em seguida, em uma travessa grande. Junte a cebolinha verde, a cenoura, o pimentão, a cebola - cortados em pequenos pedaços - a salsa e o parmesão. Junte, por fim, o arroz cozido, misturando tudo cuidadosamente.
isto posto, desvela-se mais um importante episódio da história política brasileira. à parte das tendências revisionistas em voga no meio artístico nacional é necessário ressaltar, com a devida justiça, o importante ████████████████████████████████ papel desempenhado pelos simpáticos velhinhos que assumiram para si a nobre responsabilidade sobre o destino de 90 milhões de tementes a Deus.
quinta-feira, 25 de outubro de 2007
e a Birmânia, esse caloroso rincão asiático que insiste em autodenominar-se Myanmar, segue imbatível na grande mídia. desta vez não por iniciativa própria: mulheres de várias partes do mundo se uniram em uma poderosa ação de protesto cultural contra a retrógrada junta militar que governa o país, com uma ferramenta inusitada: o envio de calcinhas às suas representações diplomáticas.
segundo as líderes do movimento, a cultura birmanesa e sul-asiática em geral apresentaria particular fragilidade frente a este tipo de manifestação. o contato com as roupas íntimas femininas é tabu, sendo visto como algo que pode enfraquecer e minar os poderes dos homens que tocarem nelas, o que atingiria em cheio os supersticiosos generais que governam o país.
até o momento, calcinhas da Tailândia, Cingapura, Austrália, Inglaterra e outros países europeus já foram remetidas a ginecofóbicos diplomatas myanmareños em todo o mundo. você aí de casa também pode colaborar com este protesto pacífico e ameaçador: envie suas calcinhas, limpas ou sujas, à embaixada birmanesa mais próxima de você! para deleite do nosso povo lindo e trigueiro, contamos com uma missão diplomática deste historicamente rico país, cujo endereço segue:
Embaixada da União de Myanmar
SHIS QL 08, Conjunto 04, Casa 05
Brasília – DF
71620-245
os homens que porventura se sintam sexualmente melindrados a participar do protesto são encorajados a encaminhar e-mails com imagens de calcinhas aos nossos irmãos birmaneses, na certeza de que tais mensagens serão plenamente compreendidas. o e-ndereço da representação diplomática é: mebrsl@brnet.com.br
cientes do compromisso cidadão de construir uma Birmânia melhor para todos, louvamos a iniciativa contra a totalitária junta que cerceia os anseios e estômagos de uma população sofrida. contatado por nossa assessoria, o cantor Wando já se solidarizou com a causa, confirmando o envio de 1437 calcinhas tamanhos G, GG e XGG à Missão Permanente da União de Myanmar nas Nações Unidas, em Genebra.