terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

um amigo vaidoso me disse que fazia versos e, como se não fosse suficiente, pediu ainda que eu os lesse, sedento pela minha opinião. disse-lhe logo que eram fracos porque, naquele momento, me custaria mais entrar em conflito com a minha consciência que com a sua amizade. toda a poesia é igual, exceto a boa, e de poetas aburridos o mundo já transborda há alguns séculos. mais a mais, quem deseja escrever deve buscar respaldo exclusivamente em suas impressões, e não no elogio alheio. seu sorriso amarelou com a minha sinceridade, e visualizei lhe passar pela cabeça um rol de dúvidas sobre o meu conhecimento de poesia e literatura. fosse eu também tão vaidoso, rebateria essas especulações dizendo que não era necessário conhecer o que quer que fosse de poesia para ver que faltava sal àqueles versos, mas seria injusto um comentário destrutivo como esse, por apenas adoçar meu ego com uma colherinha de sarcasmo, ainda mais em troca de uma inimizade gratuita. sugeri que continuasse escrevendo, que eu também tinha ambições literárias e, não com estas palavras, que escrevesse mais como um exercício de consciência e debate de ideias, e não de autobajulação. como o conselho não parecesse ter sido bem recebido, dei-lhe um sorriso fabricado e pensei que contra a presunção de eloqüência não há afagos; ele que seguisse na sua busca por reconhecimento, e eu, de minha parte, continuasse contra a maré, na minha busca pelo esquecimento, esquecimento como afastamento de tudo o que significa senso comum. e que eu também relativizasse minhas certezas pois, obviamente, o parnasianismo alheio soa sempre mais incômodo aos ouvidos que o nosso próprio.... que todos tenham a oportunidade de, uma vez na vida, trazer à luz seus versos piegas e autoindulgentes; e que todos possam, igualmente, se dar conta do ridículo e buscar, na introspecção e no esquecimento, a fonte das verdadeiras letras; não aquelas, atraentes, que soam macias aos lábios próprios e ásperas aos ouvidos alheios, mas as que são maiores que as mãos que as escrevem, e que vêm ao mundo não para engrandecer os envelopes que as entregam.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010


carnaval, uma festa kosher

Hitler tentou erradicar os judeus da face da Terra, mas isso só porque a Munique dos anos 1930 era uma cidade chata e fria e sem carnaval. tivesse ele desistido das suas pretensões estéticas e passado um feriado prolongado no Rio de Janeiro da época, teria se esbaldado de confete, serpentina, cerveja e samba. tão hipnotizado estaria pelo requebrado das mulatas, desejando ficar pra sempre naquele paraíso tropical onde não havia pecado, que nem se daria conta do quanto o carnaval brasileiro deve à herança judaica suas manifestações mais exponenciais. o diamante bruto das tradições portuguesas, indígenas e africanas foi polido pelos sefarditas, que transformaram nosso carnaval no primeiro feriado inteiramente kosher das Américas.

a construção do carnaval alimentarmente responsável remonta ao período colonial. a cidade do Recife foi, de acordo com muitas fontes, sede da primeira sinagoga das Américas. em pleno século XVII, a comunidade judaica temporã se horrorizava com o costume dos nativos de realizar corridas de porcos pelas ruas da cidade, ao estilo das touradas ibéricas, ainda por cima com o objetivo de comê-los em grandes churrascos no fim das festividades, no que ficou conhecido como a “quarta-feira das cinzas”. a guerra de expulsão dos holandeses, entretanto, viria a provocar séria escassez de animais de abate, erradicando os porcos da capitania. não havia melhor oportunidade para lançar uma nova moda: os judeus da cidade logo propuseram a perseguição de galos e galinhas pelas vielas, animais perfeitamente comestíveis, com bucho e polegar opositor – ainda que de telencéfalo subdesenvolvido - e bem mais fáceis de agarrar. estaria aí lançado o gérmen do hoje mundialmente famoso Galo da Madrugada.

o costume açoriano de embriagar-se com leite de cabra, muito comum na antiga Olinda, seria outro aspecto do carnaval que não resistiria ao kashrut. por pouco tempo puderam os infiéis foliões cometer o despautério de misturar o leite com a carne: em resposta aos efeitos catastróficos da grande seca de 1877, o presidente da província, Manuel Clementino Carneiro da Cunha, que tinha ótimas relações com as associações israelitas locais, ordenou a exportação de todas as cabras da zona da mata para o sertão, a fim de alimentar os famélicos camponeses que haviam perdido tudo. visionário, Carneiro da Cunha já havia feito contato com empresários ashkenazis de Antuérpia para a instalação de uma cervejaria na capital, visando acolher a demanda reprimida de leite de cabra com uma nova bebida, refrescante e euforizante, própria para o carnaval. a cervejaria belga não viria a concretizar-se, mas o hábito da cerveja terminou por invadir os lares brasileiros e assegurar que carne e leite não mais se encontrariam nos blocos carnavalescos.

com o passar dos anos, a herança judaica na cultura veio a embutir no inconsciente dos populares o cuidado com a organização das brincadeiras, sadiamente posterizando a festa kosher para as próximas gerações. rumores dão conta de que tentativas de batizar alguns blocos de rua de Pernambuco com nomes de frutos do mar, como o "Bloco dos Camarões" e o "Mexilhão Dourado", foram sutilmente desmobilizadas, por não soarem bom agouro, dando origem aos comestíveis Bloco das Ilusões e Pavão Dourado. o título do Bacalhau do Batata, atração das ladeiras de Olinda na quarta-feira ingrata, não foi contestado; afinal, diz o Levítico, barbatanas e escamas são perfeitamente aceitáveis.

mais recentemente, com o advento das ações de responsabilidade social como contrapartida de todos os grandes eventos nacionais, ao mesmo tempo em que evoluem as práticas mais luxuriosas e escatológicas do carnaval entre os jovens, foram de responsabilidade da comunidade judaica as primeiras campanhas nacionais de doação de sangue durante o feriado. mais que salvar vidas, é dever do folião entender que não se deve cheirar, lamber ou consumir nada que tenha sangue, quanto mais o seu próprio.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

amanhã, quarta-feira de cinzas, é o dia fora do tempo. intervalo para tomar fôlego e um engov. e na quinta-feira, 18 de fevereiro, inicia-se oficialmente o ano de 2010 no Brasil.

inicia-se também o compromisso de manter este blog atualizado. vamos ver. o padrão de qualidade almejado deve ser igual ou superior ao das postagens de 2007.