quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010


carnaval, uma festa kosher

Hitler tentou erradicar os judeus da face da Terra, mas isso só porque a Munique dos anos 1930 era uma cidade chata e fria e sem carnaval. tivesse ele desistido das suas pretensões estéticas e passado um feriado prolongado no Rio de Janeiro da época, teria se esbaldado de confete, serpentina, cerveja e samba. tão hipnotizado estaria pelo requebrado das mulatas, desejando ficar pra sempre naquele paraíso tropical onde não havia pecado, que nem se daria conta do quanto o carnaval brasileiro deve à herança judaica suas manifestações mais exponenciais. o diamante bruto das tradições portuguesas, indígenas e africanas foi polido pelos sefarditas, que transformaram nosso carnaval no primeiro feriado inteiramente kosher das Américas.

a construção do carnaval alimentarmente responsável remonta ao período colonial. a cidade do Recife foi, de acordo com muitas fontes, sede da primeira sinagoga das Américas. em pleno século XVII, a comunidade judaica temporã se horrorizava com o costume dos nativos de realizar corridas de porcos pelas ruas da cidade, ao estilo das touradas ibéricas, ainda por cima com o objetivo de comê-los em grandes churrascos no fim das festividades, no que ficou conhecido como a “quarta-feira das cinzas”. a guerra de expulsão dos holandeses, entretanto, viria a provocar séria escassez de animais de abate, erradicando os porcos da capitania. não havia melhor oportunidade para lançar uma nova moda: os judeus da cidade logo propuseram a perseguição de galos e galinhas pelas vielas, animais perfeitamente comestíveis, com bucho e polegar opositor – ainda que de telencéfalo subdesenvolvido - e bem mais fáceis de agarrar. estaria aí lançado o gérmen do hoje mundialmente famoso Galo da Madrugada.

o costume açoriano de embriagar-se com leite de cabra, muito comum na antiga Olinda, seria outro aspecto do carnaval que não resistiria ao kashrut. por pouco tempo puderam os infiéis foliões cometer o despautério de misturar o leite com a carne: em resposta aos efeitos catastróficos da grande seca de 1877, o presidente da província, Manuel Clementino Carneiro da Cunha, que tinha ótimas relações com as associações israelitas locais, ordenou a exportação de todas as cabras da zona da mata para o sertão, a fim de alimentar os famélicos camponeses que haviam perdido tudo. visionário, Carneiro da Cunha já havia feito contato com empresários ashkenazis de Antuérpia para a instalação de uma cervejaria na capital, visando acolher a demanda reprimida de leite de cabra com uma nova bebida, refrescante e euforizante, própria para o carnaval. a cervejaria belga não viria a concretizar-se, mas o hábito da cerveja terminou por invadir os lares brasileiros e assegurar que carne e leite não mais se encontrariam nos blocos carnavalescos.

com o passar dos anos, a herança judaica na cultura veio a embutir no inconsciente dos populares o cuidado com a organização das brincadeiras, sadiamente posterizando a festa kosher para as próximas gerações. rumores dão conta de que tentativas de batizar alguns blocos de rua de Pernambuco com nomes de frutos do mar, como o "Bloco dos Camarões" e o "Mexilhão Dourado", foram sutilmente desmobilizadas, por não soarem bom agouro, dando origem aos comestíveis Bloco das Ilusões e Pavão Dourado. o título do Bacalhau do Batata, atração das ladeiras de Olinda na quarta-feira ingrata, não foi contestado; afinal, diz o Levítico, barbatanas e escamas são perfeitamente aceitáveis.

mais recentemente, com o advento das ações de responsabilidade social como contrapartida de todos os grandes eventos nacionais, ao mesmo tempo em que evoluem as práticas mais luxuriosas e escatológicas do carnaval entre os jovens, foram de responsabilidade da comunidade judaica as primeiras campanhas nacionais de doação de sangue durante o feriado. mais que salvar vidas, é dever do folião entender que não se deve cheirar, lamber ou consumir nada que tenha sangue, quanto mais o seu próprio.

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