terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

um amigo vaidoso me disse que fazia versos e, como se não fosse suficiente, pediu ainda que eu os lesse, sedento pela minha opinião. disse-lhe logo que eram fracos porque, naquele momento, me custaria mais entrar em conflito com a minha consciência que com a sua amizade. toda a poesia é igual, exceto a boa, e de poetas aburridos o mundo já transborda há alguns séculos. mais a mais, quem deseja escrever deve buscar respaldo exclusivamente em suas impressões, e não no elogio alheio. seu sorriso amarelou com a minha sinceridade, e visualizei lhe passar pela cabeça um rol de dúvidas sobre o meu conhecimento de poesia e literatura. fosse eu também tão vaidoso, rebateria essas especulações dizendo que não era necessário conhecer o que quer que fosse de poesia para ver que faltava sal àqueles versos, mas seria injusto um comentário destrutivo como esse, por apenas adoçar meu ego com uma colherinha de sarcasmo, ainda mais em troca de uma inimizade gratuita. sugeri que continuasse escrevendo, que eu também tinha ambições literárias e, não com estas palavras, que escrevesse mais como um exercício de consciência e debate de ideias, e não de autobajulação. como o conselho não parecesse ter sido bem recebido, dei-lhe um sorriso fabricado e pensei que contra a presunção de eloqüência não há afagos; ele que seguisse na sua busca por reconhecimento, e eu, de minha parte, continuasse contra a maré, na minha busca pelo esquecimento, esquecimento como afastamento de tudo o que significa senso comum. e que eu também relativizasse minhas certezas pois, obviamente, o parnasianismo alheio soa sempre mais incômodo aos ouvidos que o nosso próprio.... que todos tenham a oportunidade de, uma vez na vida, trazer à luz seus versos piegas e autoindulgentes; e que todos possam, igualmente, se dar conta do ridículo e buscar, na introspecção e no esquecimento, a fonte das verdadeiras letras; não aquelas, atraentes, que soam macias aos lábios próprios e ásperas aos ouvidos alheios, mas as que são maiores que as mãos que as escrevem, e que vêm ao mundo não para engrandecer os envelopes que as entregam.

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