terça-feira, 6 de novembro de 2007



quem tem olhos que veja, e admire os tons e as cores. os cegos estão satisfeitos em sua cegueira.

satisfeitos eles vagueiam pelas vielas lamacentas do esquecimento, tropeçando em poças e tateando paredes frias que são tudo o que há de mais palatável aos seus sentidos. satisfeitos eles farejam todos os sons que seus ouvidos surdos são incapazes de perceber. satisfeitos ainda eles temem a luz que embranquece suas pupilas e rompe a harmonia soturna da escuridão onde mergulham. uma vez mais vos digo: não!; não choreis pelos cegos. pois aqueles que são incapazes de chorar por sua própria desgraça não merecem ter vertidas as lágrimas dos outros. e aqueles que acalentam e alimentam o próprio infortúnio não podem senão desmentir toda a luz que são incapazes de ver, e propagar a pestilência aos que se encontram sadios. acaso são estes os miseráveis pelos quais chorais? chorai antes com força e desespero apenas para afogá-los em agonia na enchente de vossos olhos! chorai antes de felicidade por vê-los e perceber suas cores opacas e seus passos trôpegos, e poder desviar-vos deles. pois eles estão satisfeitos, e o vosso pranto não os comove. antes vos gritam: “fechai os olhos, e parareis de chorar!” e seguem incautos pelas estradas da perdição.

recordai antes, e sempre, do dia em que éreis também cegos, e finalmente vos permitistes abrir os olhos para a realidade. daquele dia em que superastes vossa própria cegueira e satisfação.

abrir vossos próprios olhos; eis o que podeis fazer. tudo o mais é cegueira.


imagem: Blind (1916), de Paul Strand

Nenhum comentário: