sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. 3ª edição - São Paulo: Paz e Terra, 2005. (pp. 32-33)


Na sua organização geral, o espaço-tempo construído pelas imagens e sons estará obedecendo a leis que regulam modalidades narrativas que podem ser encontradas no cinema ou na literatura. A seleção e disposição dos fatos, o conjunto de procedimentos usados para unir uma situação a outra, as elipses, a manipulação das fontes de informação, todas estas são tarefas comuns ao escritor e ao cineasta. Apontei a equivalência entre paralelismo na montagem e o “enquanto isto...” da leitura. Posso apontar equivalências também em relação ao procedimento considerado chave na gênese da arte cinematográfica. A mudança do ponto de vista de uma mesma cena, importante ruptura frente ao espaço teatral pode ser aproximada a procedimentos freqüentemente usados pelo escritor ao compor literariamente uma cena qualquer. Também este expõe os fatos através de um conjunto de detalhes particulares ou através de observações que dizem respeito ao conjunto, tal como na representação do cinema. Esta aproximação, evidentemente, não pode ir além desta indicação de uma semelhança de estrutura. Em ambos os casos, trata-se da representação dos fatos construída através de um processo de decomposição e de síntese dos seus elementos componentes. Em ambos afirma-se a presença da seleção do narrador, que estabelece suas escolhas de acordo com determinados critérios. O fato de um ser realizado através da mobilização de material lingüístico e de outro ser concretizado em um tipo específico de imagem introduz todas as diferenças que separam a literatura do cinema. Diferenças que, em geral, são associadas ao suposto contraste entre o “realismo” da imagem e a flagrante convencionalidade da palavra escrita. O que tal comparação esconde é a natureza particular das convenções que presidem um determinado método de montagem, pois a hipótese “realista” implica na admissão de que há um modo normal, ou natural, de se combinar as imagens (justamente aquele apto a não destruir a “impressão de realidade”).

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