domingo, 16 de dezembro de 2007



a bolha

o que dizer disso tudo, me pergunto; é o caos que se instala. sinto seus tentáculos pegajosos em cada sorriso, em cada semáforo amarelo, em cada documento assinado com montblancs prateadas. respiro-te. veja o céu, veja a tarde. janelas anônimas. quanta energia, quantas pessoas, velocidade atroz, cruel; seguindo nossa estrada somos atropelados por caminhões que nós mesmos dirigimos. sim, caminhões, carregados de aves; de frangos, frangos sacolejantes, apertados em caixas minúsculas [penas caindo pelo caminho], estes frangos somos nós, indo para o matadouro onde com nossas próprias mãos nos depenaremos, nos degolaremos, seremos sagriados e esquartejados em bandejas assépticas que compraremos no supermercado a 4,99 para alimentar as gerações futuras.

confortável banquinho de praça. quanta energia, quantas pessoas, um mundo paradisíaco artificial numa redoma de concreto e vidro e fumaça sobre a terra nua, gritante. um mundo que é a materialização das ruas e prédios e luzes e sons apocalípticos que eclodem, em intervalos infinitesimais, na superfície de uma sinapse qualquer. infinitos e efêmeros e invisíveis indivisíveis mundos. materializamos nossas pseudorrealidades. acendo outro cigarro: venha a mim, carbono. invada os meus alvéolos, dissemine-se em minhas veias!

um pássaro desliza sobre um colchão de gás indistinguível. na rua passam os carros, sem emitir som algum. uma garota sopra, através de um anel, uma bolha de sabão, slowmotion: lenta espuma à qual o ar se mistura em bilhões de exércitos de moléculas de sutil densidade, esticando uma finíssima membrana de trilhões de anos-luz de espessura, onde espirais de galáxias bailam solenes uma valsa antihorária contínua, se espaçando pelas laterais da bolha sem fim até o inconcebível, inatingível, além do infinito.

por quanto tempo ainda? fechei os olhos. traguei o cigarro. prendi a respiração. eu continuava a me perguntar, até quando, até quando, até a qualquer momento, porque a qualquer momento a bolha estouraria; nesse momento nada mais; tudo o que é já não seria, nada mais, nada seria, a bolha estouraria e não restaria nada, janelas, sinapses, fumaça, a não ser esse silêncio ensurdecedor.

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