Corpo fragmentado
Eu vi um homem falando da sua loucura. Falando do passado. Disse que via mulheres velhas carregando enormes machados. Procissões tenebrosas anunciando sua imolação em sacrifício. A culpa deveria ser expurgada, mas só o sangue de uma criança poderia redimi-la. Que criança? Ele não é uma criança. Sim, ele é uma criança! Olhando com atenção viu a evidência disso: um cordão umbilical que o ligava a algo, algo indistinguível, disforme. Meu Deus! Um monstro. Mas o monstro não estava fora dele. O monstro estava dentro da barriga dele. Era esse monstro o culpado. Como um gênio maligno, devorava suas entranhas e instigava-o a perpetrar o mal. Do outro lado do cordão estava... sua mãe. Mas como? Sim, ela estava a serviço daquele demônio. Ele precisava fugir, se defender. Corria como um louco. Pintava-se de preto pra se disfarçar. Não adiantava, pois a mulher do machado também se disfarçava. Escondida debaixo de um capuz preto, ela antecipava seus movimentos, sussurrava ameaças ao seu ouvido. Aterrorizado, pra preservar a si mesmo subjugou-se aos seus comandos. Pra salvar a própria pele, empunhou uma faca como ela exigia. Era pra atender às ordens da velha do machado? Não. Ele queria acabar com o mal pela raiz: rasgou repentinamente o próprio ventre pra arrancar de dentro o demônio. Esse monstro era astuto, esgueirava-se por suas vísceras, mergulhava mais fundo no seu interior. Coberto de sangue e perdendo suas forças, o homem desvaneceu. O homem, pra poder falar da sua loucura no passado, aprendeu a olhar pra dentro de si fechando os olhos, extirpar o mal abrindo-os, agir simbolizando seus atos, curar suas feridas falando sobre elas.
sexta-feira, 16 de maio de 2008
quinta-feira, 8 de maio de 2008
Humanos e Bactérias
Então funciona assim: todo mundo já nasce com um pacote de programas de fábrica sem necessidade de licenciamento. Esses programinhas permitem desempenhar funções basiconas, tipo: se alimentar, por meio do movimento instintivo de sucção quando os lábios entram em contato com algum objeto; se encolher para fugir do contato com objetos pontiagudos; se debater quando tem seus movimentos cerceados.
Então funciona assim: todo mundo já nasce com um pacote de programas de fábrica sem necessidade de licenciamento. Esses programinhas permitem desempenhar funções basiconas, tipo: se alimentar, por meio do movimento instintivo de sucção quando os lábios entram em contato com algum objeto; se encolher para fugir do contato com objetos pontiagudos; se debater quando tem seus movimentos cerceados.
quinta-feira, 1 de maio de 2008
Olha, difícil mesmo é pensar sem linguagem. Tenta aí. Começa assim: pensa numa coisa. Pronto? Pensou? Tá bom, mas não se preocupa tanto. Pode ser qualquer coisa. Ok. Agora, vê se você consegue dissociar a coisa em si mesma que você pensou da palavra, isto é, distinguir a coisa propriamente dita sem dizê-la de alguma maneira. Foda, né? Digamos que você consiga, o que você vê? Uma (artigo indefinido) coisa. Mas a coisa que você pensou é melhor representada por esse exemplo particular não definido de coisa ou pela palavra? Quer dizer, ao visualizar uma coisa, qualquer que ela seja, não parece estar-se fazendo uma redução da (preposição+artigo definido) coisa? Ela não é mais do que a representação mental que visualizou? Será que nossa vida não é mais determinada pelas definições e conceitos que formulamos sobre ela do que pela realidade em si mesma?
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