sexta-feira, 16 de maio de 2008

Corpo fragmentado

Eu vi um homem falando da sua loucura. Falando do passado. Disse que via mulheres velhas carregando enormes machados. Procissões tenebrosas anunciando sua imolação em sacrifício. A culpa deveria ser expurgada, mas só o sangue de uma criança poderia redimi-la. Que criança? Ele não é uma criança. Sim, ele é uma criança! Olhando com atenção viu a evidência disso: um cordão umbilical que o ligava a algo, algo indistinguível, disforme. Meu Deus! Um monstro. Mas o monstro não estava fora dele. O monstro estava dentro da barriga dele. Era esse monstro o culpado. Como um gênio maligno, devorava suas entranhas e instigava-o a perpetrar o mal. Do outro lado do cordão estava... sua mãe. Mas como? Sim, ela estava a serviço daquele demônio. Ele precisava fugir, se defender. Corria como um louco. Pintava-se de preto pra se disfarçar. Não adiantava, pois a mulher do machado também se disfarçava. Escondida debaixo de um capuz preto, ela antecipava seus movimentos, sussurrava ameaças ao seu ouvido. Aterrorizado, pra preservar a si mesmo subjugou-se aos seus comandos. Pra salvar a própria pele, empunhou uma faca como ela exigia. Era pra atender às ordens da velha do machado? Não. Ele queria acabar com o mal pela raiz: rasgou repentinamente o próprio ventre pra arrancar de dentro o demônio. Esse monstro era astuto, esgueirava-se por suas vísceras, mergulhava mais fundo no seu interior. Coberto de sangue e perdendo suas forças, o homem desvaneceu. O homem, pra poder falar da sua loucura no passado, aprendeu a olhar pra dentro de si fechando os olhos, extirpar o mal abrindo-os, agir simbolizando seus atos, curar suas feridas falando sobre elas.

Um comentário:

Anônimo disse...

lindo texto!

sempre lembrando que zé loucura é o que não falta, né não?