quinta-feira, 24 de abril de 2008


recrudescimento sísmico. foi esse o palavrão que o menino de onze anos apresentou à dona Osmarina naquela semana em que houve o terremoto. era muito esperto o menino. dona Osmarina olhou assim, meio de lado [de cabeça pra baixo?], pro trabalho da escola, era um desenho muito bonitinho, assim uns círculos, um dentro do outro, vários circulozinhos em cima de um mapa, um pontinho vermelho no centro dos círculos, e pertinho deles havia uma legenda que dizia “São Paulo”; o mapa pintado de lápis aquarelado. o menino disse que era tudo culpa do recrudescimento sísmico, a professora explicou na sala de aula, e todos os alunos tiveram como dever de casa naquele dia fazer um gráfico que explicasse o evento; os lápis de cor saíram do seu breve ostracismo, mapas do litoral com círculos concêntricos surgiram de todos os lados, alguns com mais esmero, outros claramente sem compasso, o do menino tinha até ficado bem bonito, até rivalizava com os trabalhos das meninas [tão caprichosas], sempre cheios de estrelinhas e adesivos; dona Osmarina devolveu o papel e disse que de “recrescimento” ela não entendia nada, mas de rachadura, ô se entendia, que a cozinha estava uma coisa, de madrugada ela levantou da cama pra pegar um copo d’água e foi aquele tremelique, ela estava sentada na mesa da cozinha, e sentiu uma tontura, pensou que fosse da labirintite, mas logo os copinhos de plástico começaram a balançar na prateleira, tudo sacudindo, e os cachorros da vizinhança, uns latiam, outros ganiam, uma coisa esse terremoto; mas foi muito rápido, ela sonolenta, nem entendeu direito até ligar a televisão de manhã pra ver o programa de receitas. agora queria era saber como é que ficava a cozinha, a parede pintada faz nem dois meses, toda trincada. isso a professora não dizia. “é muito bonito, menino”, disse ao entregar o papel, “mas e a minha prateleira nova?”. dona Osmarina pegou a vassoura, ainda tinha pó no cantinho. o menino mirava o desenho, feliz.

Nenhum comentário: