segunda-feira, 17 de março de 2008


ela não estava dormindo, tampouco estava acordada; era como se delirasse, os olhos fechados, consciente da realidade ao redor ao mesmo tempo em que se deixava levar pelo fluxo das sensações, seu gosto macio, a textura veludosa e fluida de um mundo que parecia estar apenas dentro de si mas que estava também ao meu redor, não sabendo eu se ela delirava de fato, ou se era eu o insano por crer tudo tão normal; ela permanecia deitada, no chão, o sorriso irremediável denunciando que o delírio era prazeroso, pois era prazeroso passear assim pelos planos mais inusitados, eu sentia também um pouco deste prazer ao me agachar para observá-la, sua blusa avermelhada e sua calça jeans serpenteando pelo chão, lentamente, ela se contorcia, e falava qualquer coisa ininteligível que saia em meio aos seus risos, mas sem parecer com isso estar atenta às minhas tentativas de estabelecer um diálogo, seja lá o que for, ela apenas deslizava no gozo das suas sensações enquanto eu tentava falar com ela, mirá-la nos olhos, enquanto eu agachado ali de olhos abertos a invejava e desejava ali mesmo possuí-la sem temor a Deus; mas em vez disso tomei-a pelos braços e tentei ajudá-la a se levantar, ela completamente desatenta e muito imersa na própria experiência, e enquanto eu tentava erguê-la ela se deixava estar e deixava o corpo cair ao sabor da gravidade, e eu a segurava pelos braços, e enquanto eu tentava erguê-la, ela ainda no chão, serpenteava, eu a vi claramente enfiar a mão direita dentro da calcinha, o sorriso menos discreto e mais ruidoso, ela sorria e gemia baixinho, e eu finalmente a levantei, ela sobre as palmas dos próprios pés, os olhos ainda fechados e ainda o sorriso, e eu a tomei nos meus braços segurando seu torso e sua cabeça e a beijei, um beijo lascivo, minha língua e a dela num tango alucinado e eu deliberadamente querendo abrir caminho na sua boca, mergulhar dentro dela, querendo ser ator daquele transe; mas ela por fim se incomodou, me repeliu, parecia ainda mais confusa, limpando o pó das roupas amarrotadas e olhando para o chão à sua volta com uma expressão insegura - me inspirou cuidados - de quem não sabia onde estava.


"vou embora", disse; e logo encontrou o rumo da porta, que estava aberta, e sem pensar muito passou por ela para o largo corredor. se deteve um instante e voltou-se, olhando pra mim:


"eu te amo, viu?", e nada mais disse; seguiu caminhando, rumo a algum lugar.


"eu sei", respondi, cabisbaixo, "eu te amo também".


ela seguia, bem adiante, sem olhar pra trás.

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